Caro Papa Francisco,
Quero te fazer um pedido. Espero que o senhor tenha a disposição e os meios hábeis para analisá-lo com carinho, na medida em que te for possível.
Ajude-nos a comemorar o dia 26. Mais do que antes, tenho reparado no empenho que todos temos em felicitar os nossos queridos nos dias 24 e 25. Os asilos, casas de repouso, orfanatos e hospitais ficam cheios nesses dois dias. Parentes solitários vêem suas casas repletas e se alegram em oferecer hospitalidade e um sorriso. Mas no dia 26, lotadas ficam as estradas das praias e dos interiores externos. Nosso contato com o mundo limita-se ao cheiro de borracha queimada no asfalto. Aí os lares solitários emudecem.
Francisco, crie um novo estatuto, convoque um novo concílio, proclame uma nova dependência! Que ela seja parte das comemorações da vida de sempre de todos os dias, como se ficassem guardados carinhosamente mais alguns presentes para o dia seguinte.
Que depois das balbúrdias gastronômicas venha a paz da companhia. E que depois do êxtase do consumo, sintamos o prazer perene da compaixão... Mas, caro papa, tem que ser no dia 26! Porque já, neste dia, esquecemos de tudo que nem sequer havíamos lembrado, na forma divina.
Então, pensando bem, vamos comemorar o natal no dia 26! O que o senhor acha? Depois de termos passado por dias de intensa interação social numa inteireza suspeita, poderíamos, se for o caso e o senhor concordar, lembrar do Cristo e todos os ensinamentos de compaixão e amor, da nossa mera transitoriedade neste mundo ilusório, da importância de reconhecermos nossos companheiros espirituais que conosco farão a travessia desta existência.
Mas, Francisco, para isso precisamos de uma nova data, um novo decreto, uma nova convenção. Uma nova lei que nos diga como é incrível surpreender um avô no asilo depois que o papai-noel já tenha passado, ou de fazer uma visita para aquela tia solitária que reclama de dores na alma, nos sonhos, nas pernas. Se o senhor realmente aceitar meu humilde pedido, dê-nos a coragem de olhar para os moradores de rua, pedintes, crianças desamparadas, assaltantes, assassinos e excluídos com o mesmo olhar amoroso com que olhamos para os que gostamos e incluímos diariamente nas nossas orações parciais. Sei que é possível, mas sem sua mensagem o mundo não quererá acreditar nestas palavras desconexas e trôpegas.
Por isso, caro papa Francisco, estou pedindo o que peço: um dia depois de amanhã com a mesma preocupação dos amigos que, secretos, presenteiam o outro com o cuidado de agradar, mas que agora não esperam mais o presente de volta. Ajuda-nos a ter um dia 26 de amor, alegria, compaixão e equilíbrio em nome de todos os seres que desejam superar o sofrimento e tudo o que estiver ligado a ele e que anseiam pela felicidade genuína e por todos os seus caminhos e atalhos sutis.
É o que te peço de dia 26.
Feliz dia 26.
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
sábado, 7 de dezembro de 2013
Sonhos
Sonhamos o tempo todo. É realmente curioso notar nossa relação dispersa com o momento e com a realidade. Arrisco-me a pensar que no máximo criamos uma relação estável com as verdades relativas nossas e do mundo.
Atualmente, ganhamos objetos que nos fazem sonhar ainda mais, compondo em frações de segundos realidades alternativas com fotos, gráficos, comentários e todo tipo de interação instantânea.
Ou seja, seguimos dormindo! No trânsito é fácil perceber (perceber?..): parados ou em movimento nossas mentes estão quase o tempo todo longe, reconstruindo o passado ou delirando num movimento de futuro incerto, inerte.
A grande prova disso é que nem sequer notamos se estamos respirando ou não e que nosso olhar logo fica distante, assim que acreditamos estar prestando atenção em alguma coisa.
É incrivelmente surpreendemente a nossa capacidade de lidar com várias realidades paralelas e não estar em nenhuma. Revelador, porém, é descobrir que não precisamos caminhar assim. Bastamo-nos apenas com uma atenção, com um foco que, de tão rico e abrangente, coloca-nos o tempo todo em contato com a verdadeira realidade. E é tão simples que não dá pra entender porque passamos tanto tempo sem nem desconfiar. Função básica e incessantemente presente: respirar com consciência. Apenas e sempre.
Sem descartar nada. Integrando tudo e a todos com o olhar, com a escuta, com a alegria e com a coragem.
Quando estamos dormindo e começamos a sonhar, temos sensações, entramos em disputas, fugimos ou regozijamos. Aí acordamos (...) e pensamos que aquilo tudo acabou.
Quando sonhamos de olho aberto estamos fazendo a mesma coisa: projeções, esperanças, arrependimentos, raivas e medos que trazem consigo uma noção de solidez que igualmente ao sonho do sono não existe. Para tirar a prova, observemos que basta o celular tocar com uma mensagem do ser amado e tudo muda como num passe de mágica! Aquilo que nos afligia ou inebriava cessa por alguns instantes, misteriosamente.
Não haveria problema se isso não nos causasse sofrimento: pequenas desatenções, pequenos acidentes, grandes desatenções e grandes descuidos com o outro, imerso nos seus tantos outros problemas e sonhos. Descuido conosco mesmo, sobretudo.
Fortalecemos assim nossa separação com o mundo externo e com a realidade construtiva dos fenômenos, desenvolvendo um individualismo sonolento e perigoso. Deixamos de apreciar a riqueza que é acordar e sentir tudo como uma projeção interna, inseparável do momento que estamos experimentando.
Seja numa curva de estrada, numa discussão de trânsito ou ainda numa simples falta de percepção das nossas reais necessidades e das pessoas à nossa volta, sonhamos acordados com um mundo que não está lá e que se dá a impressão que está, acaba no mesmo instante.
Corremos desenfreados como se estivéssemos num sonho - desses que vivemos à noite, na cama, aquecidos. Não muito diferente da própria vida e da morte, usufruindo da liberdade infinita das nossas mentes.
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
Paulo Leminski
nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez
(Paulo Leminski)
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez
(Paulo Leminski)
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