sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Dia 26

Caro Papa Francisco,

Quero te fazer um pedido. Espero que o senhor tenha a disposição e os meios hábeis para analisá-lo com carinho, na medida em que te for possível.
Ajude-nos a comemorar o dia 26. Mais do que antes, tenho reparado no empenho que todos temos em felicitar os nossos queridos nos dias 24 e 25. Os asilos, casas de repouso, orfanatos e hospitais ficam cheios nesses dois dias. Parentes solitários vêem suas casas repletas e se alegram em oferecer hospitalidade e um sorriso. Mas no dia 26, lotadas ficam as estradas das praias e dos interiores externos. Nosso contato com o mundo limita-se ao cheiro de borracha queimada no asfalto. Aí os lares solitários emudecem.
Francisco, crie um novo estatuto, convoque um novo concílio, proclame uma nova dependência! Que ela seja parte das comemorações da vida de sempre de todos os dias, como se ficassem guardados carinhosamente mais alguns presentes para o dia seguinte.
Que depois das balbúrdias gastronômicas venha a paz da companhia. E que depois do êxtase do consumo, sintamos o prazer perene da compaixão... Mas, caro papa, tem que ser no dia 26! Porque já, neste dia, esquecemos de tudo que nem sequer havíamos lembrado, na forma divina.
Então, pensando bem, vamos comemorar o natal no dia 26! O que o senhor acha? Depois de termos passado por dias de intensa interação social numa inteireza suspeita, poderíamos, se for o caso e o senhor concordar, lembrar do Cristo e todos os ensinamentos de compaixão e amor, da nossa mera transitoriedade neste mundo ilusório, da importância de reconhecermos nossos companheiros espirituais que conosco farão a travessia desta existência.
Mas, Francisco, para isso precisamos de uma nova data, um novo decreto, uma nova convenção. Uma nova lei que nos diga como é incrível surpreender um avô no asilo depois que o papai-noel já tenha passado, ou de fazer uma visita para aquela tia solitária que reclama de dores na alma, nos sonhos, nas pernas. Se o senhor realmente aceitar meu humilde pedido, dê-nos a coragem de olhar para os moradores de rua, pedintes, crianças desamparadas, assaltantes, assassinos e excluídos com o mesmo olhar amoroso com que olhamos para os que gostamos e incluímos diariamente nas nossas orações parciais. Sei que é possível, mas sem sua mensagem o mundo não quererá acreditar nestas palavras desconexas e trôpegas.
Por isso, caro papa Francisco, estou pedindo o que peço: um dia depois de amanhã com a mesma preocupação dos amigos que, secretos, presenteiam o outro com o cuidado de agradar, mas que agora não esperam mais o presente de volta. Ajuda-nos a ter  um dia 26 de amor, alegria, compaixão e equilíbrio em nome de todos os seres que desejam superar o sofrimento e tudo o que estiver ligado a ele e que anseiam pela felicidade genuína e por todos os seus caminhos e atalhos sutis.
É o que te peço de dia 26.
Feliz dia 26.

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