sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A tristeza do oceano

É triste o oceano? 
Assim que avistei o pequeno açude da remota cidade em que estou hospedado essa pergunta retumbou num alerta. Ou melhor, numa possibilidade: está triste o oceano.
As águas esverdeadas e com discreta movimentação do pequeno lago fizeram-me imaginar de onde elas vinham e para onde iriam desde sempre. Não foi preciso muito esforço para entender que, salvo alguma intervenção humana muito contundente, aquelas águas desaguarão num riacho, que desaguará num rio maior que invariavelmente se encaminhará para o oceano vasto.
É da lei, não tem como não acontecer.
Percebi, entretanto, que não é assim que temos seguido. Como um pequeno lago de pesqueiro, andamos imersos nos nossos sonhos de lago, acreditando que se houver algumas poucas pessoas com suas varas de pesca na nossa borda estará tudo bem. Inebriados com a energia que brota das pequenas disputas diárias (nas quais lutamos para reafirmar nossas pequenas identidades), não percebemos que, assim como o longínquo açude, ficamos com a sensação de que precisamos represar a tudo e a todos para existir.
Nem percebemos que se deixarmo-nos ir na corrente natural da nossa existência, desaguaremos na infinitude doce das águas salgadas e profundas da sabedoria universal. Não há o menor perigo de dar errado!
O que nos falta então? Por que ainda pensamos gostar dos sonhos de lodo da pequena lagoa e seus peixes que são fisgados todos os dias? Onde está o caminho libertador rumo ao oceano?
Se tivesse que arriscar, diria: está tudo no mesmo lugar, só esperando ser tocado, despertado num trajeto de simplicidade constante e energia luminosa. Disponível e que espera por nós.
Desta forma o oceano nos sorrirá, enfim.

4 comentários:

  1. Olá Paulo! Você e seus textos que me fazem pensar! Eles vêm direto ao coração, à mente e ao espírito! Emocionam e fazem pensar!
    O engraçado dessa vez é que, apesar de ter assimilado e concordado com suas colocações e analogias, ao mesmo tempo me veio a mente o Rio Tietê, que corta o SP de leste a oeste e não deságua no oceano. Acabei procurando alguns textos a respeito para testar essa sua analogia.
    Deixando toda a matéria sobre rios principais, afluentes e subafluentes a parte, duas coisas me chamaram a atenção:
    - Tietê significa "água verdadeira" em tupi. O Rio Tietê deságua no Rio Paraná, que significa "semelhante ao mar" em tupi guarani. Achei o máximo que minha tentativa de questionar essa analogia tenha dado, literalmente, "com os burros n'água"!
    - Ainda pesquisando sobre rios e oceanos, achei um trecho da bíblia que, acredito, tenha certa conexão com seu texto. Veja bem: não sou nenhuma conhecedora da bíblia, o texto veio no Google, admito! Segue:
    "Palavra do Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém.
    Vaidade de vaidade, diz o Pregador; vaidade de vaidade, tudo é vaidade.
    Que proveito tem o homem de todo o seu trabalho, com que se fadiga debaixo do sol?
    Uma geração vai-se e outra geração vem, mas a terra permanece para sempre.
    Nasce o sol, e põe-se o sol, dirigindo-se arquejante para o lugar, em que vai nascer.
    O vento vai em direção do sul, e volta para o norte; volve-se e revolve-se na sua carreira, e retoma os seus circuitos.
    Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios, para lá tornam eles a correr.
    Tudo está cheio de cansaço, que ninguém pode exprimir: os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos se enchem de ouvir.
    O que tem sido é o que há de ser; e o que se tem feito é o que se há de fazer: nada há que seja novo debaixo do sol.
    Há alguma coisa de que se diz: Vê, isto é novo? ela já existiu nos séculos que foram antes de nós.
    Não há memória das gerações passadas; nem as gerações futuras serão lembradas pelas que existirão depois delas.
    Eu, o Pregador, fui rei de Israel em Jerusalém.
    Apliquei o meu coração a inquirir e a investigar com sabedoria a respeito de tudo o que se faz debaixo do sol; duro trabalho que Deus deu aos filhos dos homens para nele se exercitarem.
    Tenho visto todas as obras que se fazem debaixo do sol; eis que tudo é vaidade e desejo vão.
    O que é torto não se pode endireitar; e o que falta não se pode enumerar.
    Eu falei no meu coração, dizendo: Eis que eu me engrandeci, e excedi em sabedoria a todos os que antes de mim existiram em Jerusalém; o meu coração tem tido larga experiência da sabedoria e do conhecimento.
    Apliquei o meu coração a conhecer a sabedoria e a ciência, a loucura e a estultícia: sei que também isto é desejo vão.
    Pois na muita sabedoria há muito enfado; e quem aumenta a ciência, aumenta a tristeza."
    (Eclesiastes 1:1-18)
    Fortíssimo abraço e obrigada por despertar tudo isso em nós!
    Seguimos pensando e sentindo...

    ResponderExcluir
  2. Célia!
    Que passagem linda!!!
    Obrigado por visitar o blog!

    Refleti: o rio Tietê não vai ao mar, mas vai ao rio Paraná, que vai ao rio da Prata que vai para outro até chega lá! Que seria desses2 gigantes se não um mesmo gigante só, com seu afluentes e "concorrentes"???
    O que seríamos nós se não unos com algo maior e que transcende nossas identidades, corpos e desejos incessantes???
    Penso que a questão é: ainda que não estejamos desaguando no mar, não teremos escolha mais dia, menos dia. Seja por nós mesmos ou por um rio Paraná qualquer, desaguaremos.
    E o quanto antes percebermos que não é sol que vai do norte ao sul, ou do leste a oeste, mas sim nós, neste minúsculo planeta que giramos adormecidos em volta dele, poderemos contemplar a verdade (dura por vezes), mas inapelável: "quem aumenta a ciência, aumenta a tristeza".

    Obrigado pelo comentário. Significa muito para mim.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. "O que seríamos nós se não unos com algo maior e que transcende nossas identidades, corpos e desejos incessantes???": sensacional!!!

      Excluir